Até que o conhecimento ocorra, a ignorância é soberana
O conhecimento é o único meio direto
para moksa, liberação. Se é possível ganhar liberação simplesmente pelo
conhecimento, então a liberação não pode ser um acontecimento, não pode ser
algo produzido por karma, ação. O conhecimento é o único meio direto, comparado
a qualquer outro, inclusive meditação, oração, rituais, yoga ou mesmo uma vida
de dharma (integridade). Todas essas sadhanas, ou meios, contribuem para se
adquirir conhecimento; mas apenas o conhecimento, comparado a qualquer um
desses, funciona realmente.
O conhecimento funciona porque você já
é liberado. O seu ser é Brahman - ele já é livre - e nunca esteve confinado.
Neste mesmo momento ele não está confinado! Na hora do ensinamento, ele não
está confinado, antes desse momento ele não estava confinado, tampouco pode ele
ser confinado depois. Ele está sempre livre, é eternamente livre, portanto, é
tão somente uma questão de reconhecer que o ser é livre. A única sadhana é
bodha, conhecimento, sabedoria.
A superimposição da limitação sobre o Atma devido à ignorância
Atma, o ser, é "como se fosse"
limitado. A limitação aparente divide-se em três partes. A primeira é a
de kala, o tempo. Eu sou sujeito a nascimento, envelhecimento e
finalmente à morte. Ao longo do tempo, atma parece limitado. A segunda
limitação é de desa, lugar. Eu estou aqui neste corpo somente; fora
deste corpo eu não estou. O corpo e o atma parecem ser idênticos e, assim,
parece que o atma ocupa apenas um determinado lugar, que não está em toda a
parte. Assim, atma parece limitado em termos de localização. A terceira
limitação é vastu, limitação a nível de objeto, que se expressa na
forma de atributos: conhecimento, memória, saúde, força, altura e assim por
diante. Kala, desa, vastu são
responsáveis por todas as formas de limitação. Todos os seres humanos sabem ter
essas três limitações: "Eu sou mortal, eu sou pequeno, eu tenho atributos
limitados."
Ninguém aceita a limitação - podemos
apenas ser passíveis de uma limitação, mas não aceitá-la. Eu não posso dizer
que sou limitado e me sentir feliz com isso, existe uma luta constante para se
ver livre da limitação. Se atma for realmente limitado vai permanecer sempre
limitado, não importa quantas modificações você introduzir. Vamos imaginar que
você assuma um corpo celestial - ainda assim ele será limitado. Se você mudar o
lugar e for para o céu, ainda terá limitação. Portanto o status de limitado não
será anulado ou modificado mesmo se você assumir um novo corpo ou um novo
lugar. Não importa que mudanças você faça nesse corpo - ele ainda assim
permanecerá limitado! Se atma for realmente limitado em algum momento, em algum
lugar - ele permanecerá sempre limitado.
Mas se o atma é "como se fosse"
limitado, então ele não é realmente limitado. No seu ponto de vista, atma é
limitado - na visão da sruti, upanisads, ele não é
absolutamente limitado. Assim, temos dois pontos de vista: a visão da sruti é
de que o "Eu" não é limitado de modo nenhum: não existe nenhum
confinamento; mas porque existe uma sensação de limitação é que existe uma luta
da parte do indivíduo para se livrar dessa limitação.
Como será que posso me tornar
ilimitado? Você não pode se tornar ilimitado; você é ilimitado. É devido tão
somente à ignorância que o atma parece ser limitado. Portanto, tudo o que você
tem a fazer é eliminar essa ignorância. Uma vez que o problema é a ignorância,
toda a sadhana é apenas remover essa ignorância e nada vai
remover a ignorância a não ser o conhecimento. Nenhuma forma de ação irá
remover a ignorância, pois a ação, não sendo oposto de ignorância, não pode
eliminá-la.
A ação implica num agente. Se a autoria
de uma ação é considerada como uma qualidade intrínseca de uma pessoa, existe
ignorância do ser, atma, que não é agente de nenhuma ação. A autoria, que é
confirmada pela ação e que está por trás de cada ação, é uma superimposição no
atma; uma superimposição devida tão somente à ignorância. Essa superimposição não
é deliberada, como ao superimpor uma nação inteira na sua bandeira, ou
superimpor o Senhor em um ídolo. Aqui eu não estou deliberadamente superimpondo
autoria em atma - eu erradamente acredito ser um agente. "Eu fiz isso,
eu fiz aquilo, eu deveria ter feito isto". Isso tudo porque atma é
considerado como limitado, considerado como aquele que faz a ação.
A ignorância se manifesta na forma
de autoria da parte do atma. Ações feitas com um sentido de autoria da ação
produzem resultados na forma de punya, mérito, e papa,
demérito. Punya e papa por sua vez se tornam
a causa de se assumir sucessivos nascimentos. Esse processo continua até que a
ignorância tenha sido eliminada.
Somente o conhecimento se opõe à ignorância
Somente o conhecimento remove a ignorância.
Como a luz se opõe à escuridão, da mesma forma conhecimento se opõe à
ignorância. Da mesma forma que a escuridão não pode estar onde a luz está, a
ignorância não pode estar no mesmo lugar onde o conhecimento se encontra. A
escuridão não pode ser removida por nenhuma ação e, sim, somente pela luz.
Similarmente, a ignorância não pode ser removida pela ação porque a ação não se
opõe à ignorância; ação é um produto da ignorância. Qualquer medida de ação é
apenas uma confirmação da ignorância, da noção de limitação e autoria da ação.
Somente o conhecimento se opõe à ignorância.
Ignorância do Ser não é meramente
ausência de conhecimento, muito embora essa ignorância desapareça ao despontar
o conhecimento. Isso é muito importante. Não se pode dizer que a escuridão não
existe; até que chegue a luz, ela existe. Algo que não é existente não pode criar
problemas; somente algo que existe pode criar problemas. A ignorância do Ser é
algo que existe, cria problemas, cria erro e cria uma sensação de limitação.
Somente conhecimento é capaz de remover
a ignorância do Ser. O fato de que sou saccidananda, existência,
conhecimento, plenitude, não vai eliminar a ignorância. Mas o conhecimento de
que eu sou saccidananda elimina a ignorância. A noção de que
eu sou um agente limitado da ação é negada pelo conhecimento de que eu sou
ilimitado, que atma é sempre existente, sempre efulgente, sempre pleno, e é
esse conhecimento, o qual se dá no intelecto, que remove a ignorância.
Portanto, o conhecimento de minha ilimitação remove a noção de que eu sou um
agente limitado.
Tendo a ignorância ido embora, ela não
pode regressar e substituir o conhecimento, da mesma forma que a escuridão não
pode entrar onde a luz estiver, a ignorância não pode entrar onde o
conhecimento estiver. A ignorância pode existir tão somente enquanto o
conhecimento não tiver ocorrido. A ignorância não tem princípio - até que o
conhecimento ocorra, a ignorância é soberana. Até mesmo uma escuridão que tenha
existido em uma caverna por milhares de anos desaparece instantaneamente ao
entrar a luz! Da mesma forma, tudo o que é preciso para remover a ignorância
que não tem início é conhecimento - agora.
Não existe nenhuma ação que possa
remover ignorância, somente pramana vicara, o
questionamento discriminativo com o auxílio das upanisads produz
o conhecimento que pode eliminar a ignorância. Essa vicara assume
a forma de sravana, ouvir o ensinamento; manana, refletir
sobre o ensinamento; e nididhyasana, contemplação.
Entretanto, vicara requer uma mente preparada, porque a mente
é o local onde o conhecimento tem que ocorrer. Essa mente pode ser fortalecida
a fim de receber esse conhecimento, motivo pelo qual você precisa de sadhanas secundárias,
e é aí que entram karma yoga, meditação, oração,
etc. Através da ação, você adquire uma mente preparada - através do
conhecimento você ganha moksa. Sem conhecimento não há liberação.
O problema do aprisionamento existe
porque, devido à ignorância, atma é considerado como limitado. Quando essa
ignorância é destruída pelo conhecimento, atma é revelado como auto evidente,
auto-efulgente, uno e não dual. Ao despontar do conhecimento, o atma que
parecia limitado devido à ignorância, deixa de ser visto como limitado. Atma é
a única coisa que existe - não existe mais nada. Se houvesse outros atmas, cada
um seria novamente limitado por tempo, lugar e objetos - haveria um e mais
muitos outros. Somente atma é satyam, verdadeiro, tudo o
mais é reconhecido como mithya, tendo apenas realidade
aparente. É assim que o mundo todo é. Tempo e lugar e todo o
mundo dentro dos parâmetros brilham a partir de atma e têm sua existência em
atma.
O sol é auto-evidente, não necessitando
nenhuma lanterna ou qualquer outra luz para se revelar a seus olhos. De forma
similar, o ser é auto-revelante, não necessitando qualquer outra luz para se
revelar. Uma nuvem pode encobrir a resplandecência do sol, mas não a existência
do sol. Do mesmo modo, a ignorância pode encobrir o fato de que "eu sou
ilimitado", mas não pode ocultar que "eu sou, eu existo". Da
mesma forma como a nuvem, que parece encobrir o sol, só pode ser vista por
intermédio da própria luz do sol que ela encobre, assim também o senso
de limitação e aparente diversidade na criação é conhecido apenas
pela consciência ilimitada que é o ser. Assim como
o sol brilha em sua própria luz quando a nuvem se vai, o ser brilha como único,
não-dual quando a ignorância é removida.
É por isso que o conhecimento é
adequado para promover a liberação. É somente devido à ignorância que atma
parece ser limitado. Quando a ignorância vai embora, atma é visto brilhando
como ilimitado em sua própria glória. Ele não necessita de nenhuma luz porque
ele é a própria luz graças à qual você conhece a tudo. Atma é
auto-revelante; somente a noção de que eu sou aprisionado é
negada. O ser é libertado da noção de limitação, e é desta forma que moksa é
atingido através do conhecimento. O conhecimento é o único meio direto para se
conquistar a liberdade porque o aprisionamento é devido à ignorância.
Dayananda Saraswati
Fonte: www.vidyamandir.org.br
Continuação...
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