Fazer Ou Não Fazer – Ramesh Balsekar


Existe um dilema inerente à teoria e à prática do não-fazer que é impossível de evitar e que deve ser enfrentado pelos seres humanos. O dilema consiste essencialmente em olhar a vida de lado ou envolver-se nela, em recusar responsabilidades ou aceitá-la de bom grado, em - falando vulgarmente - em desistir ou não.

 

A teoria espiritual não torna a decisão fácil; na verdade, torna a confusão ainda mais confusa. Ramana Maharshi, por exemplo, diz: “Ninguém consegue sem esforço; os poucos que conseguem devem o seu sucesso à sua perseverança”. Mas ele também diz: “Um passageiro de trem seria tolo se carregasse a carga na cabeça. Deixe-o colocá-la no chão. Ele fará com que a carga chegue ao destino da mesma maneira”. Da mesma forma, não pretendamos ser os executores, mas resignemo-nos ao poder orientador.

 

Jesus também nos diz no Sermão da Montanha para relaxarmos, deixarmos o amanhã cuidar de si mesmo e deixarmos tudo nas mãos de um poder oculto. Na Parábola dos Talentos, ele elogia o cidadão diligente, trabalhador e responsável e envia amorosamente o preguiçoso improdutivo para o inferno.

 

O dilema não é realmente um simples quebra-cabeça intelectual ou filosófico, é real e dói. Como disse Douglas Harding:

 

Quer tomemos o caminho de deixar as coisas acontecerem ou o da intervenção enérgica, temos problemas. Que tipo de vida é a vida do desajustado que não levanta um dedo, não toma decisões ou aceita qualquer responsabilidade para consigo mesmo em relação aos seus semelhantes? E no que diz respeito ao seu polo oposto, o quadrado - o trabalhador incansável e consciencioso, o homem de espírito cívico que carrega tudo - todos nós conhecemos os compromissos, frustrações e ansiedades que chovem sobre ele, além da decadência e a morte que em breve porá fim a si mesmo e a todos os seus planos.

 

É claro que precisamos de uma solução radical e verdadeiramente prática que possamos aplicar imediatamente na nossa vida quotidiana. Uma maneira simples seria descobrir como o sábio consegue presenciar o fluxo da vida sem se envolver nela. É óbvio que o sábio não é uma pessoa apática, lânguida, fracassada ou irresponsável; pelo contrário, o homem sábio é visto como especialmente vivo e, à sua maneira, maravilhosamente determinado e enérgico - e bem-sucedido - em tudo o que faz na sua vida diária. Na verdade, vê-se que o homem sábio é o oposto daqueles humanos tristes que parecem carecer de energia vital. Em outras palavras, existe um mundo de diferenças entre os desajustados e os sábios, não importa quão semelhantes possam parecer sua aparência e comportamento!

 

E, maravilha das maravilhas, a diferença acaba por estar simplesmente na sua atitude perante a vida: o desajustado considera-se uma pessoa que, aparentemente, escolheu ser desajustado por alguma razão que lhe escapa, enquanto o sábio chegou a conclusão firme e indubitável de que ele não é uma pessoa.

 

Contudo, o homem sábio terá de passar o resto da sua vida numa sociedade que não aceita o conceito de não-fazer.


Isto é o que Ramana Maharshi tinha a dizer sobre isso:

 

A ação não cria escravidão. A escravidão deriva da falsa noção de que eu sou o fazedor... Estar enraizado no Ser e agir de acordo com a natureza sem o sentimento de fazer... Prestar atenção ao Ser inclui prestar atenção ao trabalho... O trabalho não irá prendê-lo. Ele seguirá seus próprios passos.

 

Esta é a chave da situação. Na minha percepção, o homem sábio vive sua vida com a convicção total e absoluta de que ninguém é o agente, nem ele mesmo, nem o “outro”. No que diz respeito à responsabilidade para consigo mesmo, ele estará totalmente livre da escravidão da culpa e da vergonha baseada em si mesmo como um agente, ele também estará livre da escravidão do ódio e da malícia, da inveja e do ciúme para com o "outro" por parte das ações deste último. Em outras palavras, o sábio enfrenta a vida momento a momento, aceitando tudo o que ela traz – dor ou prazer – como seu destino ou a Vontade de Deus, segundo uma lei cósmica cujas bases nenhum ser humano pode compreender. Ao mesmo tempo, o homem sábio está firmemente ancorado na paz, na harmonia e na tranquilidade à medida que aborda a vida momento a momento, nunca se sentindo desconfortável consigo mesmo, nunca se sentindo desconfortável com o “outro”.

 

O homem sábio nunca ignora o fato de que tem de continuar a viver a sua vida numa sociedade que normalmente não aceita o conceito de não-fazer e que continua a responsabilizar cada entidade individual pelas suas ações. Isto não é um problema para o homem sábio, que aceita qualquer ato que ocorra através do seu organismo corpo-mente como algo que depende inteiramente do seu próprio destino (como a Vontade de Deus, de acordo com uma lei cósmica). Mais importante ainda, ele também aceita o julgamento da sociedade sobre a sua “ação” – boa, má ou indiferente – como a Vontade de Deus.

 

Em outras palavras, o sábio aceitou total, absoluta e incondicionalmente o conceito do Buda: “Eventos acontecem, atos são realizados, mas não existe um executor individual de qualquer ato”. Assim, o sábio vive a sua vida como uma entidade separada responsável pelas suas ações perante a sociedade, com o firme entendimento de que todas as entidades separadas são, na verdade, instrumentos separados corpo-mente através dos quais a Energia Primária funciona, produz eventos ou age com total precisão de acordo com a lei cósmica.

 

A soma de tudo isso é que o homem sábio vive sua vida perfeitamente feliz em fazer o que sua “natureza” espera que ele faça, aceitando o que quer que aconteça a seguir como a Vontade de Deus. O sábio vive sua vida sabendo que sua vida está sendo vivida e, portanto, sem expectativas de qualquer tipo.


Se fosse pedido ao sábio que dissesse brevemente como ele vive todos os dias, sua resposta seria: “Estou calmo e observo o fluxo da vida”.


Ramesh Balsekar


Fonte: https://www.nodualidad.info


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E. S. Jesus

Um entusiasta e apaixonado pelo conteúdo Advaita. Meu coração bate em sintonia com os princípios da não dualidade. Imerso na busca pelo autoconhecimento, encontrei na simplicidade do Advaita uma fonte inesgotável de sabedoria e paz.

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