Deixe a Vida Fluir – Ramesh Balsekar


O que realmente significa deixar a vida fluir? Melhor ainda, o que isso não significa? Isso não significa ser preguiçoso e não fazer o que deveria; não significa “preguiçoso”, nem significa ser insensível aos infortúnios dos outros com uma atitude de: “E daí? Assim é a vida". O que significa, de modo geral, abordar a rotina diária com uma atitude descontraída, baseada na compreensão básica total de que nada pode acontecer a menos que aconteça de acordo com o destino de alguém, de acordo com a Vontade de Deus, de acordo com a lei cósmica. Ou seja, realiza-se a rotina diária que corresponde a cada pessoa, tomando decisões com tanta responsabilidade quanto é da sua natureza fazê-lo, esforçando-se ao máximo para pôr em prática as decisões tomadas de acordo com as circunstâncias. Tendo feito o que todos podem fazer, esta compreensão básica atenua a preocupação e a ansiedade sobre o que pode acontecer no futuro.

 

Talvez ainda mais importante seja a compreensão básica de que ninguém é um executor em qualquer momento do que, nas palavras de Buda: “Os eventos acontecem, os atos são realizados, as consequências ocorrem, mas não existe um executor individual de qualquer ato”, alivia o fardo habitual de culpa e vergonha que normalmente temos pelas nossas ações “imorais” ou fracassadas, ou de orgulho e arrogância pelos nossos sucessos. 


Também (e talvez mais importante, se possível) saberemos que não há razão para transferir esse fardo de ódio e maldade para “o outro”, que, se não fosse assim, consideraríamos a causa do nosso dano ou da nossa desgraça. 


A compreensão baseia-se na aceitação total de que se estivermos danificados, estamos danificados porque, por alguma razão que nos escapa, temos que ser danificados de acordo com a lei cósmica abrangente que se aplica a todo o universo, desde o menor átomo para o maior dos planetas ou estrelas. Em outras palavras, seria total e absolutamente estúpido odiar alguém que – qualquer organismo corpo-mente em particular – foi apenas o meio através do qual o ato que nos feriu (mais uma vez) ocorreu de acordo com a mesma lei cósmica.

 

Deixar a vida fluir significa simplesmente:

 

Aceite o que cada momento traz como algo que era inevitável acontecer, fazendo o que achamos que deveríamos fazer em todos os momentos e sem sobrecarregar desnecessariamente as nossas mentes com uma carga de conceptualizações sobre o que pode ou não acontecer num futuro incerto.

 

“Deixar a vida fluir” é uma opção que liberta a mente humana da sua estreita identificação com o ego abstrato como fazedor. O ato de fazer acontece, e isso não deve ser difícil de compreender, porque não temos outra escolha senão admitir que “sabemos” mover as mãos, como tomar uma decisão ou como respirar, embora fosse muito difícil para a gente explicar em palavras como fazemos. Sabemos fazer simplesmente porque fazemos, porque acontece. Entender que a vida simplesmente acontece é uma extensão desse tipo de conhecimento, que nos dá uma ideia de nós mesmos muito diferente daquela a que estamos tradicionalmente acostumados.

 

Seria possível sentir-se ancorado na paz e na harmonia diante das situações que ocorrem a cada momento no ambiente urbano atual? Em outras palavras, seria possível viver a vida pacificamente e em repouso, enquanto lutamos com as situações da vida tal como elas ocorrem na superfície a cada momento? É uma possibilidade viável ou nada mais é do que um sonho, uma ilusão?

 

Não é muito difícil imaginar uma situação na vida em que uma emoção forte, como a raiva, surge momentaneamente e não continua no tempo horizontal como animosidade, fúria ou raiva. Também não há necessidade de prolongar uma preocupação momentânea até que ela se transforme em ansiedade. Não há dúvida de que um acontecimento, qualquer acontecimento, pode causar dor naquele momento, mas é preciso insistir nisso até que se transforme em luto?

 

Este tipo de aceitação da emoção no momento, sem prolongá-la, não é impossível. Aconteceu no passado e continua a acontecer agora, embora em ocasiões comparativamente mais raras. Parece que o que é necessário é uma mudança radical de pensamento. É fácil compreender que o que leva a emoção momentânea a perdurar no tempo é o fato de o ego reagir à reação natural do organismo corpo-mente. Em outras palavras, a reação biológica natural do organismo corpo-mente a algo visto ou ouvido, ou a algo que surgiu na mente, não está essencialmente sob o controle de ninguém, uma vez que depende inteiramente da programação específica do organismo corpo-mente (genes mais condicionamento). 


Esta reação impessoal momentânea torna-se algo pessoal que prolonga a sua duração quando o ego reage à reação natural do organismo corpo-mente e identifica a reação como sua própria: a raiva, surgindo natural e espontaneamente no organismo corpo-mente, é expressada: Eu estou com raiva; isso e aquilo me irritam; eu o odeio ...

 

Assim, é claro que não há implicação se o ego for capaz de ficar fora da emoção natural, sendo uma mera testemunha do surgimento e desaparecimento da emoção, vendo-a como algo que surgiu no organismo corpo-mente, não “em mim”. A implicação significa que alguém se odeia pelo que aconteceu e, ao mesmo tempo, também odeia “o outro” por ter sido a causa do que aconteceu. Desta forma, a vida, como cadeia de situações, torna-se um acréscimo constante ao fardo do ódio contra si mesmo e contra o “outro”. E este, e nenhum outro, é o sofrimento da vida do qual queremos nos libertar. 


Não se trata do que chamamos de dor – física, psicológica ou econômica – que pode aparecer e desaparecer a qualquer momento. A ausência do fardo do ódio significa estar verdadeiramente fundamentado na paz e na harmonia enquanto você enfrenta a vida momento a momento, nunca se sentindo desconfortável consigo mesmo, nunca se sentindo desconfortável com os outros.

 

Estar ancorado na paz e na harmonia enquanto enfrenta a vida a cada momento significa manter-se calmo enquanto a Energia Primária faz o seu trabalho no corpo, provocando movimentos físicos e mentais que são observados como algo que simplesmente acontece e não como algo que está sendo “feito” por si mesmo ou pelo “outro”. Isto é o que queremos dizer com as palavras: deixe a vida fluir.

 

Ramesh Balsekar

 

Fonte: https://www.nodualidad.info

 

Continuação

 



E. S. Jesus

Um entusiasta e apaixonado pelo conteúdo Advaita. Meu coração bate em sintonia com os princípios da não dualidade. Imerso na busca pelo autoconhecimento, encontrei na simplicidade do Advaita uma fonte inesgotável de sabedoria e paz.

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