O valor ou a utilidade de um conceito está apenas no quanto ele aponta para a verdade
Ramesh: No que diz respeito ao "Eu
Sou", não faz diferença se há a manifestação ou não. A manifestação veio
do Eu Sou. O funcionamento da manifestação está no Eu Sou. É como o reflexo num
espelho. Então o que você aceita, e o que quer que aconteça é meramente um
reflexo no Eu Sou. Toda a manifestação é um reflexo na Fonte - de outro modo,
haveria dois.
Peter: Portanto, não pode ser um reflexo
da fonte, é um reflexo na Fonte?
Ramesh: Apenas pode ser na Fonte. Tudo
isto é um reflexo na Fonte porque a Fonte é tudo que existe. Portanto, para
qualquer coisa que acontece, você escolhe um conceito. Você não pode ficar sem
conceitos, senão você teria que ficar em silêncio. E se a questão "Quem
sou eu?" surge, esse é o primeiro pensamento de todos que precisa de uma
resposta. A resposta é um conceito, um conceito sendo algo que aponta para a
Verdade. O valor ou a utilidade de um conceito está apenas no quanto ele aponta
para a Verdade. Você vê? E esse conceito - que é a totalidade da manifestação e
o funcionamento desta manifestação é um reflexo na Fonte - é um apontador para
a Verdade, a qual é a Fonte.
"Assim como a superfície de um
espelho existe dentro e fora da imagem refletida no espelho, também o Ser
supremo existe tanto dentro quanto fora do corpo físico." (Ashtavakra)
Nesse verso importante, Ashtavakra
aponta que o que nós somos como sujeitos definidamente, não é uma coisa ou um
objeto, que o pronome pessoal inevitavelmente sugere, mas um processo ou
um pano de fundo, como a tela na qual um filme é visto.
Na ausência de um pano
de fundo não poderia haver nenhuma aparência de modo algum, embora no caso da
manifestação fenomenal, o próprio "pano de fundo" - a Consciência -
constitui a aparência e é responsável por ela. O ponto é que a menos que houver
um total "afastamento" para a impessoalidade, a consideração
"quem ou o que sou eu?" pode significar de fato uma transferência
simples de mais - do objeto para o sujeito (da fenomenalidade para a
não-fenomelalidade / do manifesto para o não-manifesto). Isso não teria força
suficiente para quebrar o condicionamento trazido pela noção de identidade que
conduz à suposta limitação. É apenas um afastamento direto para a
impessoalidade que é mais provável de trazer a alarmante transformação
conhecida como metanoesis, onde há uma convicção repentina e imediata de que a
identificação com uma entidade individual separada, na verdade, nunca existiu
realmente e era essencialmente nada além de uma ilusão.
Talvez seja por essa razão que
Ashtavakra sugere a analogia do espelho para a Consciência, a qual reflete
tudo, não retém nada, e em Si mesma não tem existência perceptível. Isto é, a
Consciência é o pano de fundo do que parecemos ser como objetos (fenômenos), e
ainda ela não é algo objetivo (um objeto). Assim como um reflexo no espelho é
uma mera aparência sem nenhuma existência, e o espelho é o que tem existência,
mas não é afetado de maneira nenhuma pelo que está refletido, assim também o
aparato psicossomático (o organismo corpo-mente), sendo apenas uma aparência na
Consciência, não tem existência independente. A Consciência na qual ele aparece
não é afetada de forma nenhuma pela aparência dos objetos nela.
A Fonte que criou esta manifestação
dentro de Si como um reflexo, está fazendo esta manifestação funcionar.
Portanto, a manifestação e seu funcionamento, os quais chamamos de vida - toda
ela é um reflexo na Fonte.
Primeiro há a Fonte. A Fonte cria um
reflexo. O reflexo é o Eu Sou. Agora, Ramana Maharshi diz que a Fonte é o
"Eu-Eu". Ele A nomeia de "Eu-Eu" meramente para
distingui-la do Eu Sou. O "Eu-Eu" é a Energia latente (potencial). A
Energia Potencial torna-se ativa na forma de manifestação como o Eu Sou, e
torna-se ciente da manifestação. O Eu Sou é a Consciência (awareness) impessoal
da manifestação e do seu funcionamento. Então, para o funcionamento da
manifestação acontecer, a Fonte - ou Deus, ou o Eu Sou - cria estes organismos
corpo-mente e, por conseguinte "eu's" individuais, ao identificar a
Si mesma com esses organismos corpo-mente. Portanto, a Energia Universal, a
Energia Potencial, torna-se ativa nesta manifestação. O "Eu-Eu" ao
sair do estado latente, torna-se o Eu Sou, e o Eu Sou torna-se o eu sou Markus.
Por que o Eu Sou torna-se Markus? Porque sem o Markus e os outros bilhões de
nomes, a vida como conhecemos não aconteceria.
Então, a manifestação é real? Ela é
real e irreal. A questão - a manifestação é real ou não? Está errada. A manifestação
é tanto real quanto irreal: real na medida em que ela pode ser observada,
irreal com base que ela não tem existência independente própria dela, sem a
Consciência. Desse modo, a única coisa que tem existência independente dela
própria é a Realidade, e essa Realidade é a Consciência. A Consciência é a
única Realidade. Todo o resto é um reflexo dessa Realidade dentro de Si mesma.
Lance: Estou tendo problemas em entender
o "Eu-Eu" e o Eu Sou.
Ramesh: Não existem problemas, pois eles
não são dois. A Consciência-em-repouso é o Eu-Eu. Quando ela está em movimento
ela é o Eu Sou. Portanto, o Eu-Eu é um conceito que realmente não te interessa.
É apenas um conceito. O que realmente te interessa é o Eu Sou.
Lance: O Eu sou é a totalidade da
manifestação.
Ramesh: Correto.
Lance: Então quando estamos no estado de
sono o que ele vira?
Ramesh: Eu Sou, pois há um corpo ali e
ele está na fenomenalidade.
Lance: Portanto, quando não existe a
manifestação há somente o Eu-Eu.
Ramesh: Sim.
Lance: Num livro sobre Ramana Maharshi é
dito que quando investigamos a fundo "Quem sou eu?", encontramos o
nada.
Ramesh: Está vendo, Ramana Maharshi,
portanto, não distingue realmente entre o "Eu-Eu" e o "Eu
sou" porque é inútil. O Eu-Eu é meramente um conceito a respeito do qual
ele falou, por que se preocupar. O que interessa a você é o Eu Sou e o eu sou
Lance. E quando o Lance não está aí, o Eu Sou está.
Lance: O que é o estado de sonhos então?
Ramesh: O estado de sono com sonhos é a
Consciência-em-ação identificada. O que é o sonho da vida, então? O sonho da
vida é o sonho do Eu Sou. O Lance tem um sonho pessoal e o Eu Sou tem o sonho
vivo. Desse modo, o que acontece na verdade é que você acorda do seu sonho
pessoal para o sonho vivo.
Lance: No sono profundo existe o Eu-Eu?
Ramesh: O Eu Sou! O Eu-Eu realmente não
te interessa.
Lance: Mas agora sinto necessidade de
saber.
Ramesh: Então de onde vem o Eu Sou? Essa
é uma questão conceitual. E para essa pergunta conceitual a resposta conceitual
é que o Eu Sou é a Energia impessoal tornada ativa na forma de manifestação, e
o Eu-Eu é a Energia Potencial (latente). O "eu" pessoal que o Lance
pensa que é ele, é a Energia impessoal identificando-se como um ego que pensa
que ele é o fazedor e que precisa saber. Quando verdadeiramente não há mais
questões, então não há fazedor. Onde não há fazedor não há ego. E onde não há
ego, aí o Eu Sou brilha a partir de um organismo corpo-mente sem identificação
pessoal. Quando o organismo corpo-mente morre, o Eu Sou continua como Eu Sou. E
quando a totalidade da manifestação chega a um fim, aí o Eu Sou é Eu-Eu, a
Consciência-em-repouso. E tudo isso é um conceito.
Peter: Você disse que o "eu"
no Eu Sou não é o Ego. Mas o que é ele? Eu não entendi quando você disse o
Eu-Eu.
Ramesh: Você vê, a Consciência não ciente
de Si mesma, a Energia Potencial, é um conceito. Não cometa engano! Eu-Eu, Eu
Sou, eu sou Peter - a coisa toda é um conceito com o intuito de compreender a
sua natureza real. Assim o Eu-Eu é a Energia Potencial antes da manifestação.
Peter: A manifestação de mim?
Ramesh: Não. A totalidade da
manifestação.
Peter: Portanto, esse Eu é totalmente
não individual?
Ramesh: Isso. Bem, na verdade, seja
Eu-Eu, Eu Sou - eles não são dois. O Eu-Eu torna-se Eu Sou na manifestação. O
Eu-Eu torna-se ciente de Si mesmo na forma de Eu sou. Mas é a mesma Consciência
una.
Peter: É um nome para a Consciência? Um
rótulo para a Consciência?
Ramesh: Isso mesmo. Um conceito. É por
isso que falo sempre que o Eu Sou torna-se um conceito quando você fala sobre
ele. Essa pura Ciência (awareness) da Existência é a Verdade, mas a partir do
momento que eu falo a respeito dela, Ela se torna um conceito.
Peter: Qual é a relação entre a
Consciência e a palavra "Eu"?
Ramesh: Esse é apenas um nome dado para a
Consciência.
Peter: Sim, é o que você acabou de
chamar de rótulo.
Ramesh: Sim. Você vê, até
"Consciência" é um rótulo. "Deus" é um rótulo.
Peter: É confuso usar o "eu"
que usamos para nossa individualidade nesse contexto.
Ramesh: Portanto, eu digo Eu-Eu, Eu Sou e
eu sou Peter.
Peter: São três "eus"
diferentes.
Ramesh: Ou é a mesma Consciência, mas a
relevância é para um ponto diferente.
Peter: O último indica o ego.
Ramesh: O último indica o ego.
Peter: O do meio, Eu Sou ...
Ramesh: A Consciência impessoal.
Peter: E o Eu-Eu ...
Ramesh: É a Consciência impessoal antes
...
Peter: Da potencialização, da
manifestação.
Ramesh: Sim, correto. De novo, são
palavras para explicar a mesma coisa.
Peter: Num certo momento perguntaram
para Nisargadatta Maharaj, "Existe algo que seja real nesse jogo?"
Ele disse algo parecido com “A ação do amor”. Foi tudo o que ele disse, eu
acho.
Ramesh: A ação do amor? De qualquer
forma, o que quer que ele tenha dito, eu te digo o que ele estava querendo
dizer. (risos)
A questão é, "O que é real?"
O que é real é a conexão inseparável entre o real e o falso real. Tem de
haver uma conexão senão seriam dois. Então, o que os mantém juntos, unidos? É o
amor. Chame isso de compaixão, de como você quiser, o melhor é não chamá-lo de
nada. Isso é o que ele quis dizer.
Ramesh Balsekar
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